sexta-feira, 23 de maio de 2008

Achados e Perdidos

Depois de algumas horas na fila, com as mãos trêmulas e geladas e o coração batendo descompassado, Débora tenta esconder o suor frio que insiste em rolar pela sua testa e com um fio de voz se dirige a esquálida figura atrás do balcão.

- Moça, perdi minh’alma. Por acaso tem alguma sobrando por ai?

“Cada louco que me aparece por aqui” pensa Isabel. “Ainda bem que é véspera de feriado e o Jackson hoje vai vir me buscar pra me levar bem longe desse inferno.” Dá mais uma tragada profunda na bituca de cigarro presa entre seus dedos com unhas muito compridas, como garras, pintadas de vermelho carmim quase negro. Solta a baforada e responde à figura quase humana do outro lado do balcão.

- Não meu bem. Nem a sua nem a de mais ninguém.

Débora sai andando, claudicante, apoiando-se na parede e lembrando daquela maldita noite. “Onde eu estava com a cabeça”...

Alguns dias atrás, em estado de fúria, Débora clamou a Deus que a matasse, mas que lhe desse a oportunidade da visita aos entes queridos. Afinal, Deus pode fazer tudo o que bem entende na hora que melhor lhe aprouver.

- Não, não pode ser. Isso só pode ser coisa do capeta. Mas isso seria muito clichê. Será que fui eu que me livrei dela como quem se livra de um pedinte na janela do carro em sinal fechado? Será que ela ficou presa no mundo comum? Porque essa história de mundo especial, cliente especial, cheque especial. Tudo isso é uma farsa.

Completamente em transe, Débora escorrega sem perceber no que, bate a cabeça e cai na calçada. Já está de noite e uma leve garoa começa a cair pela cidade. Os transeuntes não se incomodam com o corpo estendido no chão. "Essa aí deve estar drogada”, pensa a maioria que por ventura atravessa a rua e se depara com a cena. “Qual seria a razão desse completo abando do seu próprio eu”, refle um senhor em passos rápidos rumo ao metrô.

Enquanto isso Débora finalmente volta a se sentir como aquela menina que fora outrora. Sente-se leve, livre, quase feliz.

- Será que consegui voltar ao mundo comum? Não consigo abrir os olhos, mas ouço passos. Quem será? Será que resolveram devolver minh’alma? Não consigo me mover. Sinto frio. Será que morri?

Quer saber se Débora consegue recuperar sua alma? Aguarde o próximo capítulo de Achados e Perdidos.

Um comentário:

João Cunha disse...

Renata, a trama foi muito bem feita, poderia virar um roteiro de filme... Mas como conto está completo... uma epifania a cada página!!!

Parabéns!!!