segunda-feira, 11 de agosto de 2008
PAI
terça-feira, 22 de julho de 2008
Severino
Quando cheguei, a esperança encobria o cinza da cidade grande. Desci do ônibus e já na rodoviária me embriagava com o cheiro da pele das gentes que iam e viam sem parar se espremendo pelos ônibus e nos trens. Nesse ir e vir consegui trabalho na construção civil, erguendo os edifícios que são a cara dessa cidade. Na hora do almoço, sentado em uma viga no décimo quinto andar de mais um arranha-céu, costumava olhar a vista de São Paulo lá do alto enquanto devorava minha marmita de arroz frio e ovo mole. De semana em semana ligava para a Maria para saber da molecada e contar a experiência na cidade grande. A cada ligação avisava quanto de dinheiro estava enviando e prometia um dia mandar buscar toda a família. Mas o cinza da cidade foi tomando conta do verde da esperança. Da cobertura dos novos edifícios não conseguia mais enxergar a promessa de vida digna na cidade grande. A cada mês que passava era engolido pelo pó da solidão e da indiferença. À noite dormia para esquecer da fome. De dia bebia para agüentar a lida. Cada tijolo que assentava era uma parte do meu castelo de areia que desmoronava. As ligações para Maria foram diminuindo pouco a pouco enquanto as visitas à Casa da Irene aumentavam. Nos finais de tarde me embaraçava nos braços e pernas das prostitutas da Rua Aurora. Nessas horas lembrava de quando me deitava com a Maria pelos cafezais e nas nossas aventuras pelos canaviais. Foi na colheita do algodão que fizemos do Deusiné. Na da soja a Irene e na colheita da laranja a Ritinha. Teve também o Zequinha, mas esse acabou morrendo logo depois do nascimento. Mas quando a excitação acabava abria os olhos e só via a Iris, morena gostosa da coxa grossa com cheiro de flor do mato. Acho que era seu bafo de café que me levava de volta aos cafezais e aos braços da minha Maria. Depois me entregava a velha branquinha. Bebia até cair. Mas no dia seguinte, sempre na mesma hora, voltava à construção da cidade grande e erguia mais uma parede, instalava mais uma janela e mais uma dúzia de portas, das tantas outras que já foram fechadas ou batidas na minha cara desde que cheguei aqui, na terra das oportunidades. Terra das cinzas dos meus sonhos de retirante da seca do nordeste.quarta-feira, 16 de julho de 2008
O retorno

(Mais um jogo. Agora com nove palavras: piscina, voltar, harmonia, sucesso, biotônico, sacanagem, telescópio, crocodilos, interrogação.)
sábado, 12 de julho de 2008
Solidão
  sexta-feira, 11 de julho de 2008
Vale quanto pesa
Esse texto é resultado do exercício passado pelo brilhante-escritor-colega João Cunha nas nossas Oficinas de Inverno. A proposta era redigir um texto de dez linhas a partir do filme 21 gramas. A angústia que senti foi tamanha que acabei caindo no lugar comum. Podem conferir logo abaixo. É puro clichê!Qual é o peso da vida? Depende. As emoções consideradas boas costumam deixar nas pessoas uma sensação de leveza e paz de espírito que tornam o dia-a-dia leve como uma pluma. Quando estamos amando e saudáveis a vida parece não ter peso algum. Os problemas não passam de minúsculos aborrecimentos. Nada o que fazemos no dia-a-dia tem importância suficiente para afetar nosso equilíbrio mental, emocional e físico. Em outras ocasiões, quando o ser humano deixa aflorar o seu lado mais negro e pouco evoluído, demonstrando total desrespeito à vida humana, esse peso sobe exponencialmente, podendo chegar a toneladas. Nessas ocasiões até o ar que o ser humano respira parece pesar muito. Assim como a morte, a doença, a perda de pessoas queridas, as frustrações e decepções pesam tanto quando a força da gravidade.
Tatuagem

Esse texto foi redigido a partir da criação de um narrador, conforme exercício proposto pela grande Nanete nas nossas Oficinas de Inverno, que aliás estão sendo DIVINAS!
Todo dia ela fazia tudo sempre igual. O mesmo caminho para ir para o trabalho. Inclusive saía e voltava para casa sempre nos mesmos horários. Até que um dia foi vítima de um seqüestro relâmpago. Os bandidos limparam sua carteira e sua conta bancária, além de levarem seu carro e a TV de 42 polegadas que havia sido entregue em sua casa no dia anterior.
Durante algumas semanas ela até que tentou mudar de horários e de caminho, mas a rotina estava tão arraigada na sua personalidade que acabou retomando seus hábitos. Escrava do relógio marcava sempre o mesmo horário com a mesma manicure no mesmo dia da semana. Podologia e depilação de quinze em quinze dias, sempre às quintas. Aos sábados, às 8 horas em ponto estava no salão para retocar as raízes do seu cabelo loiro farmácia.
Nessas rotinas da vida foi passar o feriado prolongado na casa da família, no Guarujá. Marcou encontro na praia de sempre com a velha turma de amigos, dividindo a já conhecida rodada de caipirinha e camarão na barraca do Alemão.
Numa tarde de bobeira na praia, após dar uma longa espreguiçada e arrumar o biquíni, percebeu que era a única da turma que ainda não tinha feito uma tatuagem. Sem hesitar, sacou da bolsa de praia seu smart phone e agendou para segunda após o feriado ligar para aquele estúdio que as amigas haviam recomendado há tempos para ir fazer a tatuagem o mais rápido possível.
A semana seguinte chegou junto com a frente fria, ótimo período para manter escondidinha sua mais recente aquisição. À noite, após horas presa no também habitual congestionamento da capital paulista, parou em frente ao estúdio. A porta abriu com o seu costumeiro sinal sonoro avisando a entrada de um novo cliente. Ela tirou da sua bolsa cara uma pasta pequena, personalizada, de couro legítimo onde guardava um desenho muito colorido e desproporcional. Não dava para definir se era a imagem de uma sereia, borboleta ou da pequena fada Sininho. Chamei o Igor. Ele até que tentou convencê-la que aquela não era a melhor opção para o tamanho de tatuagem que ela queria fazer, mas não teve jeito. Estava muito acostumada a exercer o poder financeiro para fazer valer suas vontades e caprichos. E assim foi mais essa vez.
Algumas horas depois ela saía do estúdio com o tal desenho estampado na nuca, em baixo do seu cabelo loiro liso chapinha. Agora sim, pensou ela, voltei a me sentir parte da turma novamente. E eu ainda lembro quando brincávamos com as crianças da nossa rua de pique e esconde. Ela de aparelho nos dentes e cabelos desgrenhados. Época que, apesar da dureza, ela ainda tinha personalidade própria e não era mais uma dondoca Maria vai com as outras, que assume ser vaquinha de presépio enquanto conta a rotina da sua vida banal em salões de beleza e estúdios de tatuagem.
Descrição do narrador do texto acima:
O nome dela é Jéssica. Ela tem 25 anos, cabelos lisos cor de rosa caneta marca texto. Olhos grandes, castanhos amendoados. É do signo de leão. Tem piercing no nariz, na orelha, na boca, na sobrancelha e no umbigo. Já foi gótica e nessa época pintava o cabelo de preto e usava uma maquiagem bem forte. Lápis preto nos olhos, delineador, boca e unhas pintadas de preto. Hoje tem um estilo mais alternativo. Usa meia arrastão, coturno, sandália plataforma ou bota e roupa de brechó.
Seus pais moram em Pirituba. Ela mora sozinha no centro de São Paulo. Na maioria dos dias é bem humorada, menos às segundas.Usa ônibus e trem para ir para o trabalho. É recepcionista de um estúdio de tatuagem nos Jardins. É magra, alta (tem 1,70), fuma um maço de cigarro por dia. Também masca chiclete o dia inteiro ouvindo suas músicas preferidas no seu iPod. Bebe e usa drogas com os amigos. Maconha na maioria das vezes e ecstasy quando vai às raves. 
segunda-feira, 30 de junho de 2008
Plágio criativo
Ode (assimétrica) à Palavra
À Palavra, minha algoz e companheira...
dedico tudo
a que os outros dão importância nenhuma...
a saber:
a dor da saudade
a alegria dos sonhos
a aridez das memórias
a dura realidade
(porque há muitas, muitas realidades...)
a primeira decepção que ainda corrói minha’alma
qual lúgubre tarde de inverno
na solitária fria e úmida deste corpo;
E os ratos?
Não estão ouvindo, escondido nas curvas escuras
das artérias e veias desse cárcere, os ratos?
Sim, os ratos, são eles que me fazem companhia
São guardiões e profetas.
Transbordo no grafite as palavras que ouço deles
menos aquilo que me logrou o destino
causa primária de todas as lágrimas
que não mais rolam sobre essa face
mas...
não há mais raiva
nem rancor
nem mágoa
não há mais dentes a ranger
nem mais nada a declarar
Pois bem,
às vezes
de todas as idéias que me transbordam, a Palavra é a única que
parece ainda conseguir revelar aquilo que existe em mim, mas que não sinto mais e que por isso mesmo tem esse gosto morno de luz.