sábado, 21 de junho de 2008

A visão















Eu vi. Estavam lá. E eram muitos. Mas foram chegando aos poucos. À medida que apareciam, reuniam-se em pequenos grupos. Não os escutava. Olhavam para cada um de nós e comentavam. Parecia a mim que cochichavam. Não sei. Às vezes riam. Outras discutiam veementemente. Pelo menos era isso o que lia em suas fisionomias.
Olhei para os escritores ao meu lado, mas ninguém percebera a presença deles. Eu tão pouco comentei a respeito. Era uma noite fria, porém agradável de junho. O céu estava limpo e a lua cheia iluminava a noite. Já se passava das oito e a movimentação na sala um do casarão da ESDC era intensa.
Clarice, Carlos e Mário foram os primeiros a chegar. Ocuparam as carteiras livres, deixadas na frente da sala, logo abaixo do quadro branco, bem de frente para a nossa turma. Minutos depois Manoel e Nelson, solenes, adentraram o recinto. Em seguida foi a vez de Vinícius, Lygia, Guimarães, Ariano, Antonio e Machado.
De repente comecei a ouvir vozes. Pensei que finalmente tinha sido me dada a oportunidade de compartilhar dos comentários deles. Ledo engano. No intervalo nem sai da sala, só para poder observá-los. Também nessa hora não se dirigiram a nós. O intervalo terminou. Gabriel retomou os conceitos de plágio criativo.
Sem notar o que acontecia ao seu redor, toda vez que citava o nome de algum deles Gabriel exaltava o ânimo dos presentes. Ele não percebeu, mas os livros sobre sua mesa passavam de mão em mão. Flutuavam na sala. Ninguém estranhou. Já eles, bem... todos pareciam ávidos por conferir se constavam da lista de mil livros para ler antes de morrer. Tiveram de devolvê-lo subitamente ao perceber que Gabriel nos mostraria a obra. E quando o mesmo derrubou aquele volume imenso no chão todos se assustaram. Nós e eles. Mas esse não era o único sentimento em comum entre os grupos. Pairava no ar a cumplicidade pelo dilema do plágio criativo. Imaginava quantas vezes eles tiveram que enfrentar esse problema, que não é na verdade um problema, mas uma realidade a que todos estamos sujeitos, assim como a lei da gravidade.
Ah se pudéssemos escutá-los. Pareciam ter pontos de vista muito interessantes a respeito do episódio Cony e Coelho. Mais que isso. Pareciam ter informações adicionais ao artigo publicado na Folha no último dia 19 e até mesmo da biografia escrita por Fernando Morais. Ah, se curiosidade matasse...
E a noite transcorreu desta forma. Ao findar a aula, alguns colegas definiam se sairiam ou não para comer alguma coisa e continuar a discussão sobre o tema. Os visitantes da noite partiram da mesma forma como chegaram. Misteriosos, silenciosos, ilustres, sem ser percebidos. Pareciam que também compartilhavam com o grupo o mesmo sentimento de seguir adiante com a discussão sobre o plágio criativo. Tanto é que dali saíram e entraram no casarão ao lado, onde a música, o tilintar de copos, pratos e talheres, assim como a conversa entre judeus transcorria animadamente. Só sei que foi isso que vi. Que noite... Que visão!

5 comentários:

Claudia disse...

Adorei, Renata. Parabéns. Que visão!
Um beijo.

Cristiane Rogerio disse...

Renata, querida!
Eu, que não estive lá, vi tudo com você!
Obrigada!
beijos
Cris

Ronaldo ARRIGHI disse...

Pois é...
Vou me ater somente ao trecho que faz menção ao “roubo de idéias”, talvez por já ter passado por isso, mais de uma vez.
Triste, mas verídico.
Como é possível podermos conceber a idéia de que alguém possa roubar a nossa idéia.
Mas, acontece. E muito. Muito mais do que se imagina. Muito mais comum até, do que se imagina.
Não consigo classificar o que mais revolta, se o roubo da idéia ou a "cara de pau" de quem pratica a tal transgressão.
Essa é uma daquelas situações em que temos a certeza de que o que nos foi tirado, era realmente nosso!!!
Mas como acusar esse infrator pelo delito de se apossar de algo não palpável fisicamente?
Como transformar isso em algo plausível o suficiente para podermos cobrar?
Pior ainda, é quando a idéia em questão nos é roubada por alguém que, por estar hierarquicamente acima de nosso cargo(nem sempre por capacidade própria) na empresa ou ramo/local em que atuamos, e ainda por cima vem querer comemorar a “colheita dos louros” conosco. Baixaria das mais graves, atitude de gentinha! Não conseguiria aqui, em poucas linhas, demonstrar o meu sentimento para com esse ato vil e ardiloso. (GRRRRRR!!!)
Doce, deixando a ira ai acima de lado, ficou bem bacana. Viu?
BBBJJJJSSSSS.

Eduardo disse...

Com tais companhias só poderiam sair boas coisas.

Nanete Neves disse...

Renata, as pessoas podem roubar uma idéia... mas o que fazer com ela se não houver talento? Legal o conto.